segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Zé, o bode louco.

Seu primeiro apelido foi “Espanta Bolinho”. As pessoas passeavam calmamente com seus cães e acabavam parando para conversar. Geralmente juntavam cinco ou seis cães de pequeno e médio porte e ficavam se cheirando calmamente. Logo atrás vinha eu, sendo carregada pelo Zé. Era questão de segundos para que cada dono pegasse seu cão e saísse do lugar. Só sobrava ele e eu. Ele me olhava com a cara ofegante e feliz, como que se perguntasse: por que meus amigos foram embora?

Sua carinha sempre foi de inocente. Eu custava pra acreditar que um ser tão fofo pudesse ser capaz de destruir quase toda a minha vida. Seria normal se ele tivesse comido um chinelo, roído um móvel... Mas ele não se dava por satisfeito. Teve que comer o celular, as paredes, o rodapé, o sofá, a cama, o colchão, a mesa, o controle remoto com pilhas.

Seu primeiro brinquedo foi um gato de pelúcia. Apelidei o bichinho de Fedor. Ele vivia babado e com um cheiro que fazia jus ao nome. Zé sempre resolvia que a melhor hora de brincar era às duas da manhã e por vezes eu acordei com o Fedor no meu nariz, literalmente.

Na praia eu já o considerava um caso perdido. Língua roxa e olhos esbugalhados era a forma normal dele chegar ao Arpoador. Rasgar cangas, fazer xixi em bolsas, mergulhar em cima de pessoas (inclusive de mim por muitas vezes), roubar os brinquedos dos outros cães e depois bater neles porque não queria devolve-los, eram umas das muitas esquizofrenias do Zé. Se jogar feito avião kamikaze nas maiores ondas, se esfregar na areia até ficar completamente empanado e destruir 385 cocos, eram os passatempos prediletos do Zé.

Seu pior pesadelo era o barulho. Fazia de tudo para encontrar um lugar seguro pra esconder, nem que pra isso tivesse que entrar no guarda-roupa ou então no armário da cozinha. Era normal ter que disputar o chuveiro com Zé quando tinha fogos ou trovão. Se ele entrasse primeiro, o banho ficava pra depois. Por vezes acordei a noite com ele enfiando a cabeça debaixo do meu travesseiro, tremendo como uma criança assustada.

Foi um cachorro com o instinto de caçador subdesenvolvido. Tomava arranhões de gatos, dormia quando era pra caçar ratos, assistia feliz as pombas comerem sua ração, brincava com moscas e fazia cara decepção quando as matava, além de ser recordistas em ganhar mordidas no focinho de cães com menos de 3kg.

Banana era seu ponto fraco, mas nunca vi Zé rejeitar comida. Foi o primeiro cachorro que vi comer alface e acelga. Cenoura, tomate, pão, casca de mamão, melão, casa de melancia, maça, iogurte grego, pedra, pau, anzol. Tudo isso fez parte da dieta dele.

Amava crianças, bebês e qualquer outro tipo de ser que fala. Um dia na feira de Ipanema, sem que eu percebesse, ele estava dentro de um carrinho de bebê dando uma lambida na cara da criança. Ele amava qualquer um. Por vezes ficamos parados esperando o mendigo terminar um afago em sua orelha, o bêbado que dava pão pra ele e o chamava de leão, o vendedor de bananas que quase faliu com a quantidade de bananas que deu pro Zé, e o dia que não tinha banana, ele ganhava caqui. O cara do mercado, as caixas do Zona Sul, as faxineiras, os garçons do bar, os porteiros, meus amigos, minha família. Zé amava a todos e desconfio que todo mundo amava o Zé.

Ele tinha 35 kg de coração e um amor que transbordava. Foi um ser de luz, um anjinho de espírito zombeteiro. Virou minha vida do avesso, ocupou cada canto, espalhou seus pelos por pelo menos três gerações e depois me deixou, num suspiro. Sem aviso prévio, sem tempo pra despedidas, sem uma lambida ou apertão.

Procurei explicações cientificas, espirituais e qualquer outra coisa que tirasse da minha cabeça o sentimento de punição. Tento acreditar que, por ele ser muito especial, precisaram da sua ajuda em outro lugar. Li certa vez que, quanto mais amor você dá a um animal, mais você o auxilia no seu processo evolutivo. Se isso for verdade Bode, a gente se encontra de novo, com toda certeza. 


terça-feira, 15 de abril de 2014

Rua Domingos Cosate, 544

Passei dezesseis anos da minha vida nesse endereço. Talvez seja por isso que o nome da rua e o número da casa estão tão vivos na minha memória. Não posso dizer isso dos outros seis endereços que tive nos outros treze anos. Até hoje preciso conferir meu CEP atual. Em Valença eu não tinha problemas com CEP, lá é só um.

Na frente da minha casa tinha uma capela de Santa Luzia. Eu esperava o ano todo pela festa da santa, dia 13 ou 15 de dezembro, se não me falha a memória. Eram quatro dias de festa. Os sinos que me acordavam as cinco da manhã, sinalizavam o começo de uma das minhas datas preferidas do ano. Não sei explicar porque eu gostava tanto. Não sei se pelo movimento que tomava minha rua ou se porque pelo menos uma vez eu morava perto de alguma coisa. Pode ser também que seja por causa do leilão. O juiz do leilão era o Sr. Cadinelli. Nunca mais o vi, mas não preciso fazer muito esforço para lembrar da voz dele gritando: “Um frango e um vinho, um frango e vinho, cinco reais dou-lhe uma, cinco reais dou-lhe duas, cinco reais dou-lhe três!” e batia o martelo na mesa. Algum homem gente boa havia acabado de arrematar um frango e um vinho para os meninos da rua. Eles pegavam a prenda com a felicidade de alguém  que pega uma mala de dinheiro. Saiam correndo e em algum lugar não muito distante dali, devorariam o frango assado e tomariam todo o vinho. Minha maior frustração: nunca pude ir junto. Minha mãe nunca deixou: “Isso é coisa de menino”, dizia ela. Meus irmãos estavam lá, eu deveria estar também. Para mim era muito injusto. Eu passava o dia todo ajudando a montar a mesa do leilão. Recebia cada prenda. Sabia tudo que tinha de bom ou de ruim pra ser arrematado. As vezes eu ficava lá sozinha, num silencio, numa paz, que parecia só existir naquele lugar. A capelinha era um lugar onde eu podia me esconder do mundo, se quisesse. Conhecia cada canto, cada detalhe. Antes da Dona Ondina (uma senhora que cuidava da capela) colocar caco de vidro em todo o muro, era muito fácil de pulá-lo.

No quintal da frente da minha casa tinham três balanços e dois coqueiros. Meu pai construiu os balanços. O meu era baixinho e com um encosto nas costas, sempre a menina protegida. Mas a diversão da minha casa não estava só nos brinquedos construídos pelo papai, como o balanço e a piscina. A diversão estava no pé de jabuticaba, na horta do vovô, no curral das cabritas, em pegar minhocas na mão e assustar a Tia Diva ou em brincar de cientista com o meu irmão em cima da casa do gás.
Era legal fazer apresentações de teatro na varanda, corrida de cachorrinho... Minha mãe uma vez sugeriu uma competição! Chamamos os amigos que moravam perto, os primos e fizemos corrida do saco, ovo na colher, molhar a cara na água e depois na farinha. 

Éramos três crianças com muito energia, sorte que nossos pais eram criativos e o quintal era grande. Mesmo assim ainda sobrava tempo e disposição de inventar besteiras. Como quando João Felipe e eu nos trancamos com a nossa cachorra Lady no quarto de empregada e depois jogamos a chave pela janela. Meu pai abriu a porta, tirou a Lady e nos deixou trancados lá até na hora do jantar. As coisas pioraram um pouco, porque nós tivemos a ideia de descascar umas batatas que estavam lá dentro e depois cozinha-las no ferro de passar.

Embora fosse uma casa grande, ela estava sempre tomada por sons: vozes, festas, músicas. Pouco a pouco o barulho foi diminuindo, assim como os moradores. Depois de um tempo era só mamãe e eu, dava até eco falar de um cômodo para o outro. Era hora de mudar, nossa casa não tinha sido feita pro silencio, pro vazio.  Até hoje quando eu sonho que estou em casa, é a porta da Domingos Cosate/544, que eu abro. Até hoje quando vou visitar minha avó paterna (ela mora ao lado) sou tomada uma incrível nostalgia. Reconheço os cheiros e os gostos da minha infância, sinto minhas raízes e constato que foram elas que me fizeram crescer tão forte. 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Quando só restar o vício...


Era uma da tarde. O restaurante estava cheio e o único lugar vazio era ao lado daquela senhora de cabelos curtos e loiros. Seus olhos eram azuis e seu prato estava cheio, talvez isso fosse um indicativo para o corpo fora de forma. Ao lado do prato um brigadeiro, que foi devorado imediatamente logo após o término do almoço.
“Quer que levante para a senhora passar?” Perguntei achando que o espaço era pouco.
“Não filha, ainda vou tomar o café. Sou fumante sabe como é?!”
Ela não precisava falar que era fumante. Com voz mais rouca que a da Nair Belo, qualquer um saberia que ela fuma pelo menos há uns 30 anos! Quando ela começou a falar foi muito difícil prestar atenção.  Fiquei imaginando o tempo todo que, se acaso eu não tivesse parado de fumar, eu seria ela no futuro!
Conversamos por volta de uns 20 minutos e foi o tempo suficiente para aquela senhora desconhecida chegar às lágrimas.
Ela tem 67 anos, aposentada, dois casamentos, sem filhos, fumante, come de mais, não pratica exercícios e diz levar a vida que gosta. Será?
“Nunca tentou parar de fumar?”
“Não! Tive uma vida muito estressada. Sempre trabalhei muito.”
“O cigarro é uma das muletas que temos na vida!”
“Concordo e não sei andar sem elas.” 
Mudou de assunto. Percebi que ela não estava a fim de falar sobre o vicio e nada adiantaria o que eu falasse contra ele.
Ela me contou sobre a plástica que fez aos 55 anos e sobre o ex-marido que a visita todos os dias às 16h e sempre diz o quanto ela é linda. Falou sobre a mãe com Alzheimer, da profissão de advogada, dos tempos que jogou na seleção feminina de vôlei, até se emocionar e falar dos irmãos e de uma sobrinha, que segundo ela, era tratada como filha.
Por um motivo banal, ela teve uma severa discussão com a irmã, o que resultou no afastamento de todos, inclusive da sobrinha.
Seu ultimo aniversário e natal foram marcados pelo absoluto silêncio da família.
“Nem se quer um telefonema!” disse ela já em lagrimas.
Continuando a conversa disse que suspeita estar com depressão. Como todos nós já tivemos uma fase “dark”, receitei a ela os florais que habitaram minha bolsa durante tantos meses!
Levantei para pagar a conta, ela veio atrás. Enxugando as lagrimas, pedindo desculpas e agradecendo.
Não sabia o que dizer a ela. Então recorri ao banco de conselhos que minha mãe me dá:
“Perdoe. Família é coisa mais importante da nossa vida.”
Ela acendeu um cigarro (tinha um pacote dentro da bolsa), disse que meu brinco era lindo e se foi sozinha, ou não, ainda resta-lhe o vício.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Vovó, continue dançando!

O nome dela é Maria da Penha. Maria da Penha Araújo. Na verdade era Botelho, mas seu marido a fez tirar o sobrenome do pai e seguir somente com o Araújo, nem se quer o Marques ela ganhou.
“Sinto saudade do meu sobrenome”, confessou ela em uma de nossas conversas.
“Pode deixar vovó, quando eu tiver um filho coloco seu sobrenome nele”, dizia eu enquanto colocava mais uma almofada em suas costas.
Fiz essa promessa quando tinha uns 08 anos e já teria me esquecido, se minha mãe não tivesse feito o favor de me lembrar.

Vovó não fazia doce, nem almoço de domingo e me contou somente duas, mas inesquecíveis, estórias durante toda minha infância, são elas: “Dona Baratinha” e “A moça que vendia banana”. Essa última não foi tirada de nenhum livro de contos infantis. Nasceu da profunda criatividade de Dona Penha, que se inspirava na Lurdinha, a moça que vendia banana e morava pra cima da minha casa. Lurdinha não ganhou, nem de longe, todo o dinheiro que a moça da estória conquistou, uma pena!

Que eu me lembre vovó passava alguns dias lá em casa. Meu pai a infernizava com mil e uma piadas de sogras.

“Ehh Dona Penha, o triste na vida é que sogra é igual esperança: A última que morre.”

Ela ria. Não sei se ela gostava ou ria para não mandá-lo para @#$%¨&*#$&*

Vovó sentia muito frio e dormia com muitas cobertas, cobria a cabeça e ninguém conseguia ver quem estava na cama. Ela roncava um pouco também, diga-se de passagem. Uma noite Rafael (meu irmão mais velho) invadiu o quarto de meus pais chorando. O menino morrendo de medo gritava: “Pai, me ajuda, pai, me ajuda!!!” “O que foi Rafael???” “Tem uma vaca no meu quarto!”

Há mais de 10 anos ela se arriscou em sair sozinha para rua. Ela conta que foi surpreendida por duas garotas que vinham na direção oposta e que passaram por ela feito um furacão, que a soprou direto pro chão. Ela não quis abrir os olhos, disse que quando cai mantém os olhos fechados para não ver o estrago. As meninas entraram em desespero pelos quase 10 minutos que vovó se manteve imóvel. Tenho certeza que no fundo ela fez de propósito para dar um castigo mais que merecido para as duas.

Vovó frequenta o Clube da Alegria, definido sabiamente por um tio meu como Escleroteca, desde que me entendo por gente. Acho que ela é a mais velha do clube. Conta com orgulho que no ano de 2009 (se não me falha memória) foi eleita a Rainha da Primavera!

O médico sempre disse: “Não pare de dançar Dona Penha, esse é maior remédio para se manter viva”

Outro lugar que vovó sempre falou muito é da PL, http://www.perfectliberty.org.br/. Segundo ela, foi lá que se tornou uma pessoa melhor.
Passou a frequentar mais os clubes e as igrejas depois que vovô morreu. Ela me disse que começou a viver de verdade quando ele se foi. Nasceu pro mundo aos 61 anos. Logo, é mais que justo que ela chegue aos 100!

Ela sempre me disse que eu era a neta preferida, embora eu saiba que ela fala isso pra todas! Dona Penha tem um coração grande o suficiente para abrigar toda a grande família.
Ela reza toda a noite pelos filhos, netos e bisnetos. Reza a porta da casa de todos nós. Portanto tios e primos, não se preocupem! Pra alguns ela pede pra Nossa Senhora Aparecida, pra outros ela pede pra São Judas Tadeu, eu to nesse grupo aí das causas impossíveis!
Reza a lenda que nenhum problema dessa vida é mais forte que a novena da vovó. Adoro pedir sua benção e gosto mais ainda quando ela diz: “Deus te abençoe minha filha e te de boa sorte”

Ela me ensinou uma frase que uso até hoje: “Não faça à Alice Lemos, nem a ninguém que lhe pertence”. Era o nome da sua mãe. “Se alguém um dia te fizer mal, diga essa frase em pensamento”

Vovó não é tímida, adora ser o centro das atenções e receber uma salva de palmas depois do discurso. Ela se levanta com dificuldade e fala nem que seja uma ou duas frases quando é solicitada. Sempre pedindo saúde e felicidade para os seus.

O tempo te trouxe algumas limitações. Precisa de ajuda para a maioria do afazeres cotidianos. Sua altura também se modificou, foi encolhendo, encolhendo, ficando mais baixinha que muitos bisnetos!

Dia 18 de setembro Dona Penha comemora 92 primaveras! Sem doenças, só os problemas inerentes à velhice, que afirmo, ela tem tirado de letra. Poucas pessoas continuam a sorrir, quando o corpo pede pra parar.

 Embora, algumas vezes vovó se sinta debilitada e outra já tenha me dito que cansou da vida, a vida não cansou dela! Muito menos nós!

10 filhos, 29 netos e 13 bisnetos. Pelos meus cálculos é isso aí! Ela é uma vovó fofa e o nó mais forte que une essa família tão grande!

Nesses 92 anos da Vovó Penha, quero desejar que ela continue dançando! Por muitos e muitos e muitos anos!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O melhor pai que a vida podia me dar!

A mais antiga lembrança que eu tenho do meu pai, é dele estacionando sua Brasília verde-limão na garagem.
Tinha o costume de subir no sofá para olhar da janela da sala se era ele mesmo que estava chegando. A janela era alta, na verdade eu era pequena demais, na verdade continuei pequena. Com meus pés apoiados na madeira do sofá, eu abria um enorme sorriso e gritava: "Papai chegou!!!”
Ele vinha para almoçar, todos nós já havíamos almoçado, ele ainda não. Ele se sentava e tentava assistir ao jornal, enquanto comia. Tentava, porque o fato deu escorregar em suas pernas durante todo o almoço o impedia de se concentrar em qualquer coisa, ainda mais em notícias. Ele não demorava muito, precisava voltar ao trabalho.

Ele ia embora e eu ficava atenta ao horário da "Escolinha do Professor Raimundo", pois gravava todos os programas, a fim de assistir em sua companhia depois do Jornal Nacional. Ele ria de todas as piadas. Eu ria da risada dele. O sono me acometia rapidamente, fazia esforço pra ficar de olhos abertos, mas era em vão. Meus poucos anos me davam muito sono e eu acabava por adormecer no sofá.

Fazia xixi e escova os dentes como uma sonâmbula. Não me preocupava, ele estava ali, me segurando. No amanhecer eu era surpreendida com muitos beijos estalados com cheiro de café. Muitas das vezes eu já estava acordada e ficava na cama escutando seus assobios, que formavam alguma música do Fagner. Acho que devia ser aquela: "Quem dera ser um peixe...”
Não me atrevia a levantar da cama, queria que ele viesse me acordar. Seus beijos me davam força, bom humor, felicidade.
 “Piriquita, budeguinhaaaa... ta na hora de acordar!”
Os apelidos não eram nada convencionais.
Demorava um ano para eu tomar aquele café com leite fervendo que ele me dava, acho que é por isso que até hoje não gosto de nada muito quente.

Meu pai pra mim era um homem forte, que enfrentava tudo e todos para me salvar. Como na história da onça que ele deve ter contado umas 3.500 vezes por pressão dos meus pedidos.
 “Saímos para fazer um piquenique: sua mãe, você, Rafael, João Felipe e eu. Quando estava tudo pronto para começarmos a comer, apareceu uma onça!
Tive que jogar todas as comidas para ela. Os pães, os bolos, as laranjas, os danoninhos... Quando acabou a comida eu joguei sua mãe, depois o Rafael, depois o João Felipe, depois você e por último joguei uma pedra! Lutei com a onça até que consegui matá-la, com uma faca a rasguei na barriga. Lá dentro estavam vocês, sentados na pedra, de barriga cheia! Tinham comigo todo o lanche e eu fiquei sem nada. ”

No fim da história eu estava chorando: “Não papai, eu guardei um danoninho pra você!”
Ele ria de mim e me abraçava para me acalmar. Ele sempre gostou de fazer isso comigo, me provocava até me fazer ir pro quarto chorando. Depois ficava no quarto dele deitado na cama me chamando: “Vivianneeeee, Vivianneeee”. Ele sabia que eu não resistia muito tempo, logo eu aparecia enxugando as últimas lágrimas e deitava ao seu lado.

Sempre tive ciúme dele. A única mulher que eu aceitava ao seu lado era minha mãe, isso porque ela sempre o deixou livre quando eu estava por perto. Ficava bufando quando a minha prima Bia (afilhada dele) sentava em seu colo. Eu chorava, empurrava e ela insistia em ficar ali, no colo que era meu!!!

Nas noites de verão ele chegava do trabalho e ia direto pra piscina. Eu já havia tomado banho, mas ia correndo colocar o biquíni e entrava junto com ele. Não perdia a oportunidade de nadar em suas costas.

Não moro com ele desde os meus 12 anos. O destino quis assim. A vida nem sempre é tão justa quanto a gente gostaria.
Mas mesmo assim, ele nunca deixou de ser o homem da minha vida, nem o herói que esquartejava onças para me salvar.
Sei que muitas vezes ele quis estar ao meu lado, me colocar no colo e ficar acordado comigo até de madrugada. Como ele fazia quando eu tinha 08 anos e a malvada da insônia insistia em me visitar.

Somos completamente diferentes nos atos e na forma de pensar. A vida se encarregou de nos dar personalidades opostas. Mas não tem quem jure que os opostos se atraem?
Nesse dia dos pais que se aproxima não vou almoçar com ele, nem lhe entregar um presente, muito menos deitar ao seu lado para conversar, até esperar que ele ronque. Mas quero que ele saiba: independente do dia dos pais, das mães ou das crianças, todos os dias que eu acordo eu me lembro dele e do profundo amor que eu sinto pelo melhor pai que a vida podia me dar!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Não acredito em nada não, só não duvido da fé...


Com certeza minha primeira ida à igreja foi nos braços da minha mãe. Não sei se foi no meu batismo, ou antes. Mas sei que foi cedo.
Minha avó Amália adorava contar para suas amigas beatas (não julguem como termo pejorativo):
“Minha neta toma parte de tudo na Igreja, eu mesma faço suas roupas para os teatrinhos.”

Na verdade, vovó Amália não coseu somente minhas roupas de Nossa Senhora e de Anjo, mas também quase todo meu guarda-roupa infantil.
Foi a melhor costureira que Valença já viu. Só costurava para os mais importantes brasões. Sua paciência também sempre foi grande, porque pra costurar pra mim, tinha que ter. Primeiro porque a primeira vista eu não gostava de nada. Dizia que tava ruim, que não era aquilo. Depois eu reclamava de tudo:
“Ai vovó ta pinicando”... “Ai vovó ta me espetando”... “Ai vovó tira isso que eu quero ir brincar”

Mas ao final minha roupa estava pronta e eu poderia entrar na Igreja sendo alvo de todos os olhares!
Fui Maria duas vezes. Uma na escola e a outra em um teatro da Igreja. Já coroei Maria um monte de vezes ou então entregava as palmas. Mas nunca aceitei ser o anjo coadjuvante. Sabe aquele que fica lá cantando e balançando a mão sem fazer nada? Não, esse eu nunca quis ser.

Sentava com a minha mãe no primeiro banco da igreja. Cantava as musicas tão alto que ela me cutucava para cantar mais baixo:

“PAZ, PAZ DE CRISTO. PAZ, PAZ QUE VEM DO AMOR TE OFEREÇO IRMÃOOOOOOO!!!”

“Vivianne canta mais baixo, todo mundo já viu que você sabe a letra!”.

No inicio não sabia bem o que eu fazia na igreja. Eu ia porque tinha que ir, porque aos domingos pela manhã era nosso ritual. Missa das 09:00h, depois banca de jornal para comprar O GLOBO, depois Padaria Carvalho para comprar cigarrinhos de chocolate.

Não sabia quem era Deus, nem Jesus, nem os apóstolos... Mas um dia eu quis saber. Tia Mafalda levou nossa turma do catecismo para igreja. A aula daquele dia foi na escadinha do altar. Rezamos o Pai Nosso e ela começou uma longa dissertação sobre Jesus. As vezes falava Jesus e as vezes falava Deus.

“Tia Mafalda, quem é Jesus?”
Desde pequena tenho essa péssima mania de interromper as pessoas.
Tia Mafalda fez uma cara de “Valeu por me interromper”, mas respondeu.
“Jesus é filho de Maria e de Deus, e como eu ia dizendo...”
“E quem é Deus?”
Tia Mafalda perdendo a paciência:
“Deus é o pai de Jesus, o criador! Ele que criou tudo: o céu, a terra, os animais, tudo! E como ia dizendo...”
“E quem criou Deus????”
Ela quis me tirar da aula, tenho certeza que quis!
“Como assim quem criou Deus?”
“É! Quem criou Deus? De que lugar ele veio? Ele tem pais?”
Tia Mafalda ficou parada olhando pra mim, desviou seu olhar para o altar como se pedisse aos céus uma resposta coerente para me dar, e assim poder prossegui com a catequização daquelas crianças.
De forma quase que pedagógica, Tia Mafalda explanou:
“Uma vez um homem andava pela praia se perguntando quem era Deus. De repente, ele avistou um garoto que havia acabado de fazer um buraquinho na areia. O garoto corria para o mar, enchia as mãos de água e trazia correndo para jogar no buraquinho. O homem intrigado se aproximou do garoto e perguntou: - O que você pensa que está fazendo garoto? Jamais conseguirá encher esse buraco de areia com água!
O garoto se virou para o homem e disse: É mais fácil colocar toda água do oceano dentro deste buraco, do que entender os mistérios de Deus!”
“Entendeu agora Vivi?”
“Mais ou menos, porque você não me disse de onde ele veio!”
“Não tem como provar que ele existe Vivianne! Isso é fé! Ou você tem ou você não tem!”
Fui pra casa fazendo um enorme esforço para acreditar naquilo tudo. Minha mãe disse que a Tia Mafalda estava certa e desde então escutei muito falar nessa tal de fé. Minhas avós são mulheres de muita fé. Vovó Amália, que já citei aqui e vovó Penha que parece ter um canal direto de comunicação com Deus.

Comecei a procurar pela minha fé. Ela devia estar em algum lugar adormecida dentro de mim. Não é possível que aquela menina que entoava de forma estridente as canções religiosas, já não acreditava em mais nada.
Minha mãe reclamava, pedia, implorava.
“Você não mais à missa Vivianne” “Você precisa ir à missa filha” “Por favor, filha, vamos???”
Mas a missa já não tinha mais sentindo. Não que Deus não tivesse sentido, entende? Mas tudo o que era dito no altar não era absorvido pelo meu cérebro. Entendia tudo como: blá, blá, blá, blá.

Rezava em casa, mas não Ave Maria e Pai Nosso. Rezava como se tivesse conversado com um amigo. Desabafava tudo, ria, chorava, fazia críticas, agradecia, pedia e foi assim que comecei a redescobrir minha fé. Isso só demorou porque eu procurava a fé dentro de mim e não era lá que estava.
Minha fé está nas coisas que eu admiro. A encontrei nas pessoas que eu amo, nos animais, na natureza. Nas coisas que supostamente esse poder maior chamado de Deus, criou em sete dias e sete noites.

Hoje quando acordei e fui passear com Zé, decidi mudar o roteiro. Ao invés de levá-lo ao parque, caminhei com ele até a praia. Sentei na calçada e ele deitou na areia a fim de despedaçar um coco em questão de minutos. Fazia uma manhã esplendida. O sol, mesmo fazendo força para esquentar, já reluzia nas águas do mar. Me emocionei. Lembrei das explicações de Tia Mafalda e vi minha fé ali, brilhando tão forte quanto os raios do sol.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Por isso uma força, me leva a aguentar.


“O ser humano se adapta a tudo.”  

Alguém em algum lugar do tempo ou do espaço proferiu essa sábia afirmação.
Talvez a gente se adapte ou talvez a gente se acostume. Talvez a gente suporte ou talvez a gente se engane.

Quando a dor chega e parece que vai te matar, porque já te pisou, te cuspiu e te esfolou, vem gritando lá dentro uma força meio no estilo He-Man, que começa a espantar, um a um, os males que nos atormentam.
Pra quem acredita, como eu, essa força chama-se Deus. Pra quem não acredita, podemos chamar de... De força.
Movida por Deus, pelo cérebro, pelo coração ou pelos instintos, a força nos faz carregar a dor por longas estradas esburacadas.

Não sou a pessoa mais indicada para falar de força, muito menos no quis diz respeito à força física. Um exemplo disso foi a cena um tanto quanto inusitada de Fernando e eu carregando uma cama box, pelas calçadas da Nossa Senhora de Copacabana. É lógico que ele fazia mais força que eu. De 2 em 2 minutos eu arriava a cama no chão, meus braços pareciam que iam descolar do corpo. Os homens parados na calçada e os porteiros de plantão olhavam para Fernando com cara de ódio. Um deles chegou a se manifestar: “Carrega isso nas costas irmão!”
Mal sabiam eles que Fernando estava fazendo um favor pra mim. Já que a cama era minha.
Fiquei dois dias com meus braços doendo, com pouca força até para levantar o garfo.
Acho que preciso voltar pra academia, quem sabe de 5 em 5 kg vou ficando mais forte.
Que pena que a força física não adianta de nada, quando nosso corpo nos exige uma força emocional. Se adiantasse, os professores de educação física seriam riquíssimos!

Outra coisa boa seria se pudéssemos, assim como Fernando me ajudou a carregar a cama, dar uma “força” para nossos amigos e ajudá-los a carregar a dor que sentem. Já viu uma pessoa sofrendo e quis tirar a dor dela de qualquer jeito? Ou pelo menos ajudá-la a carregar aquele fardo?
“Vamos amigo, segura naquela ponta da tristeza que eu seguro nessa e juntos atravessamos essa Avenida”.
Seria tão mais fácil! Reduziria muito aquela sensação de impotência que nos dá quando não podemos fazer absolutamente nada pelo sofrimento do outro.
Se bem que às vezes um colo, um abraço ou apenas emprestar os ouvidos para que ele derrame seu coração, já é como ajudá-lo a carregar uma cama box.

Vejo por aí pessoas que passam por todo tipo de coisas ruins e aguetam firmes sem derramar uma lágrima. Eu as admiro, porque sou muito chorona. Choro quando sinto dor, quando fico triste, quando me emociono.
Chorar pra mim é tão fácil quanto rir. Choro relendo cartas, vendo fotos, ouvindo músicas, vendo filmes então!
Chorei em todos os filmes do Beethoven, aquele o magnífico! Choro vendo novelas e filmes idiotas de comédia romântica. Chorei muito lendo Marley & Eu, olhava pro Zé pequeninho deitado no pé da cama e me acabava. Me debulho em lágrimas também na cena de Armageddon, quando o pai dela vai morrer, o ápice do chororô é na hora que a música chega no refrão:
I don't wanna close my eyes, I don't wanna fall asleep, 'Cause I'd miss you, babe
Meu inglês embolado se embola as lágrimas e nem cantarolar consigo direito.
Minhas forças sempre desmoronavam quando assistia Cinema Paradiso, será que só eu chorava quando o cinema pegava fogo?

Logicamente o fato de eu ser chorona, emotiva, bobona de carteirinha, não significa que eu seja fraca. Até porque como dizem, a gente só conhece a força que guardamos dentro de nós, quando algo a impulsiona para fora.

Quando eu caí na piscina e tive que ser operada, acabou a luz do hospital e por pouco meu pai não teve que me carregar no colo por 10 andares, sorte a dele e de seus braços que a luz voltou. Ele disse que iria à Lua comigo nos braços e olha que meu apelido (bullying) familiar, era chumbinho! Ele precisaria de muita força pra me levar à Lua!
Já minha mãe nunca disse que iria à Lua comigo no colo, mas sempre repetiu que teria força de 5 leões se fosse para defender seus filhos, embora ela tenha apenas um metro e meio!

Me parece que o peso do amor impulsiona todas as forças e elas nos fazem aguentar qualquer tipo de tormenta e, ainda assim,  sair inteiros da tempestade, mesmo que saiamos bem molhados e com pneumonia daquelas!


OBS: Este post é dedicado a Giullia, uma menina muito forte, que usa o grande amor que carrega em seu coração, como fonte de energia para toda sua força!