quinta-feira, 14 de março de 2013

Quando só restar o vício...


Era uma da tarde. O restaurante estava cheio e o único lugar vazio era ao lado daquela senhora de cabelos curtos e loiros. Seus olhos eram azuis e seu prato estava cheio, talvez isso fosse um indicativo para o corpo fora de forma. Ao lado do prato um brigadeiro, que foi devorado imediatamente logo após o término do almoço.
“Quer que levante para a senhora passar?” Perguntei achando que o espaço era pouco.
“Não filha, ainda vou tomar o café. Sou fumante sabe como é?!”
Ela não precisava falar que era fumante. Com voz mais rouca que a da Nair Belo, qualquer um saberia que ela fuma pelo menos há uns 30 anos! Quando ela começou a falar foi muito difícil prestar atenção.  Fiquei imaginando o tempo todo que, se acaso eu não tivesse parado de fumar, eu seria ela no futuro!
Conversamos por volta de uns 20 minutos e foi o tempo suficiente para aquela senhora desconhecida chegar às lágrimas.
Ela tem 67 anos, aposentada, dois casamentos, sem filhos, fumante, come de mais, não pratica exercícios e diz levar a vida que gosta. Será?
“Nunca tentou parar de fumar?”
“Não! Tive uma vida muito estressada. Sempre trabalhei muito.”
“O cigarro é uma das muletas que temos na vida!”
“Concordo e não sei andar sem elas.” 
Mudou de assunto. Percebi que ela não estava a fim de falar sobre o vicio e nada adiantaria o que eu falasse contra ele.
Ela me contou sobre a plástica que fez aos 55 anos e sobre o ex-marido que a visita todos os dias às 16h e sempre diz o quanto ela é linda. Falou sobre a mãe com Alzheimer, da profissão de advogada, dos tempos que jogou na seleção feminina de vôlei, até se emocionar e falar dos irmãos e de uma sobrinha, que segundo ela, era tratada como filha.
Por um motivo banal, ela teve uma severa discussão com a irmã, o que resultou no afastamento de todos, inclusive da sobrinha.
Seu ultimo aniversário e natal foram marcados pelo absoluto silêncio da família.
“Nem se quer um telefonema!” disse ela já em lagrimas.
Continuando a conversa disse que suspeita estar com depressão. Como todos nós já tivemos uma fase “dark”, receitei a ela os florais que habitaram minha bolsa durante tantos meses!
Levantei para pagar a conta, ela veio atrás. Enxugando as lagrimas, pedindo desculpas e agradecendo.
Não sabia o que dizer a ela. Então recorri ao banco de conselhos que minha mãe me dá:
“Perdoe. Família é coisa mais importante da nossa vida.”
Ela acendeu um cigarro (tinha um pacote dentro da bolsa), disse que meu brinco era lindo e se foi sozinha, ou não, ainda resta-lhe o vício.